Todo dia a
introspecção toma conta do meu ser. “Quem sou eu?”, “o que estou fazendo
aqui?”, “eu gosto de alguém?”, [tentando pensar se eu gosto de alguém “o que eu
tenho?”, “que tipo de Sherlock misturado com House, misturado com Walter White,
misturado com Meu Malvado Favorito eu sou?”, “eu sou bonito ou eu sou feio?”,
“o que é ser humano?”. Todo dia eu foco, penso e não chego em conclusão alguma
sobre essas perguntas.
Quem sou eu?
Sou Luis Ricardo, estudante de Psicologia, 24 anos, brasileiro, solteiro,
indivíduo de CPF 046.667.389-82. Este sou eu, esses 11 dígitos. Eu não sou um
número, eu sou um homem livre. Eu sou um homem livre? Acho que estamos presos
num sistema ilusório e a liberdade não existe, o que existe é a ilusão de liberdade.
Creio que isso merece um texto assim como tudo o que eu penso. Lá vai o texto e
depois voltamos para a introspecção, sou assim, penso rápido em várias coisas e
penso em nada ao mesmo tempo.
Meu pensamento
sobre liberdade é que ela vai até certo ponto. Assinamos o Contrato Social. Não
posso caminhar pelado, por exemplo. É uma infração. É contra a moral e os bons
costumes. É socialmente errado. Não posso plantar maconha na minha casa, mesmo
que seja apenas uma planta, é crime. A
sociedade nos controla por meios informais e o Estado nos controla pelos meios
formais: os mais variados códigos onde descrevem direitos e deveres - mais
deveres do que direitos. Fazemos parte do coletivo e o coletivo precisa de
regras para existir. Aprendemos desde cedo, desde o prézinho. Por que devemos deixar de lado nossas vontades quando
elas não fazem mal ao próximo? A sociedade ainda não evoluiu o bastante.
Seguindo as
perguntas do primeiro parágrafo, temos a clássica humanística “o que eu estou
fazendo aqui?” que é praticamente “por que vivemos?”. Sei que não sou o único encucado com essa
questão, mas ela me perturba no exato momento que eu vejo que não tem sentido
nisso. Vivemos para melhorar a vida da próxima geração e eles viverão para
melhorar a vida da geração que virá depois e assim segue a vida, sem sentido
senão este. Dizem que o sentido da vida é ser feliz. Eu sou feliz? O que me faz
feliz? O que eu estou fazendo aqui? Nasci para cursar Psicologia e procurar uma
forma de ajudar a humanidade ou nasci apenas para ser bom para eu mesmo e
depois morrer? O individual e o coletivo sempre em batalha. Talvez não. Talvez
dê para fazer ambos.
Eu gosto de
alguém? Gosto das pessoas? Sempre me pergunto se eu gosto das pessoas e em
todas as vezes que eu me questiono, a resposta é a mesma. Gosto de raros
indivíduos, Lucas, meu amigo que está indo para Cancun por exemplo. Vejo as
pessoas como ilusões. Elas não existem além do meu campo de visão. Interajo
como eu interagiria caso fosse o personagem de uma série. O que está dizendo é
a verdade? A verdade não existe em nenhum outro lugar senão na mente. É verdade
o que eu vejo, de resto eu posso duvidar de tudo. Envolver-se com pessoas
significa aceitar suas verdades como parte da realidade universal. O planeta em
que você vive não é o mesmo em que o próximo vive. Vez ou outra acontecem de
vivermos na mesma realidade, o coletivo força a isso, mas, depois, o mundo é só
meu. Muitas vezes penso “eu não gosto de ninguém” e isso não significa que eu
odeie todos, significa indiferença. Não sou indiferente a todos, eu gosto de
algumas pessoas, não gosto? Embora eu não tenha paciência para as pessoas,
prefiro pensar que raras me fazem uma real diferença no que tange o sentir.
Gosto de companhia, gosto de sair. Sou entediado pela minha própria natureza.
Tenha que estar em movimento, tenho que estar fazendo algo. Não posso estar
parado. Não dá para ficar em casa sem ânimo para maratonar uma série ou numa
aula chata do curso. “Oi, o que fará hoje? Vamos sair?” Eu saio, eu vou longe e
eu não me importo. Me importo com o tédio, com a aflição de não ter nada para
fazer.
Por que eu
saio com as pessoas que eu saio sendo que eu não tenho paciência para como elas?
Não tenho paciência porque as pessoas vivem em negação e sempre acham que seus
problemas são maiores do que os dos outros. Muitas vezes meus colegas me tiram
como sem noção e eu noto isso em suas vozes. As perguntas subjetivas me fazem
querer explodir. “Você acha que eu sou um otário?” Eu não sou um otário. Alguns
me enjoam, contudo não cheguei no motivo de eu não largar mão deles. Creio que
é o comodismo e a inabilidade de eu sentir ódio assim como amor, apenas
indiferença. Está aí e está ok. De quem eu sou amigo? Do Lucas, com certeza.
Tirando ele, acho que os demais vivem falando pelas minhas costas e não possuem
tanta paciência para mim assim como eu não tenho muita paciência para eles.
Apenas estamos aqui aproveitando a companhia um do outro por estarmos
acostumados com isso e dando alfinetadas no que achamos errado, isso quando
acho que ainda vale a pena. Senão apenas desapareço assim como eu desapareci de
várias pessoas durante toda a minha vida.
Creio que sou “ok”. Nem bonito e nem feio.
Apenas ok assim como uma comida temperada apenas com sal. Não sou um prato do
Mastercheff e muito menos sou o arroz sem sal da minha avó. Sou um prato que
está “ok” para o almoço. Não sofro com a minha situação de “ok”, eu estou ok
com isso. As pessoas se preocupam demais com auto-imagem, ganham dinheiro com a
beleza ou sofrem com a feiura quando o que importa é o cérebro. O cérebro é
quem nós somos, o corpo é como estamos. Estou “ok”. O tempo vai passar e isso
pode mudar para melhor ou para pior. Meu cérebro sempre mudará para melhor.
Humano é um animal dotado de raciocínio e sentimentos, os dois. Estar com as
pessoas que eu gosto me faz sentir humano. Estar sozinho, introspectivo ou na
companhia de pessoas com as quais eu sou indiferente, me faz questionar se sou
humano ou se estou humano e isso me causa um certo esgotamento mental.
Perguntas que jamais serão respondidas. Sinto como se não houvesse nada. Como
se eu fosse um receptáculo esperando ser preenchido com algo, talvez com uma
alma. Talvez “eu tenho uma alma, mas eu não sou um soldado”¹. Para ser um
soldado é necessário altruísmo.
Estou sentado
numa mesa no Pátio Central Shopping com uma caneca de chopp da Heineken numa
quarta-feira de tarde. São 16 horas. Um rapaz olha para mim e sorri. Não o
conheço, talvez ele tenha me confundido. Volto a olhar para o meu celular. Como
as pessoas podem gostar de Sense8? Elas estão falando sobre isso no Facebook e
eu acho uma série tão sem noção quanto elegerem Donald Trump presidente dos
Estados Unidos.
- Olá! Posso
me sentar contigo?
É o rapaz que olhou para mim e
sorriu. Olho e dou de ombros e ele se senta.
-
Você é o Luiz, certo? O melhor amigo do Lucas.
Como esse cara sabe quem sou eu e
eu nada sei dele? Me questiono mentalmente.
-
E você, quem é? – Pergunto tentando saber a identidade desse estranho.
-
Desculpe não me apresentar. Meu nome é Ricardo. – Ele estende a mão para me
cumprimentar. – Prazer!
O cumprimento.
-
Como me conhece, Ricardo? Eu nada sei sobre você.
-
Já te vi no Instagram da minha amiga, a Amanda. Ela me falou que você é uma
pessoa bacana, melhor amigo do Lucas. Eu sou o melhor amigo dela. Sou o cara que
o Lucas viu na janela dela.
-
Interessante esse tipo de amizade.
-
Não foi nada do que ele pensou. – Ele tomou um gole do suco de laranja o qual
trouxe com ele. – Eu não curto mulheres. Amanda é uma irmã para mim. Lucas
tirou conclusões precipitadas, creio que nesse momento você já deve saber que
ontem antes dele viajar a Mandy apareceu para conversar com ele, mas ele não
quis dar bola.
-
E você está aqui para eu falar com ele sobre isso? Que eu conheci o cara da
janela e ele é gay e não foi nada do que meu amigo impulsivo pensou?
Ricardo riu.
-
Não. Estou aqui porque do pouco que eu sei sobre você, noto muito em comum
entre nós. Sei que é fã de Star Wars, Indie, fuma algo que não é cigarro e bebe
cerveja todas as sextas, sozinho, no Escobar antes da aula da tarde. Além do
mais, psicologia é uma área pela qual eu tenho interesse assim como em homens
inteligentes e bonitos.
Me engasgo com o meu chopp ao
ouvir a última frase.
-
Isso foi uma cantada? – Questiono. – Você é um cara bonito. Deu para notar o
motivo do Lucas te ver e ter ficado puto da cara achando que era alguém com
quem Amanda estava saindo, mas eu não sou gay, Ricardo.
-
Desculpe.
Sinto que ele ficou constrangido.
-
Tudo bem. Não tenho uma escrita na testa relatando o que eu sou. Na verdade,
nem eu sei o que eu sou.
-
“Acho que não sei quem sou, só sei do que não gosto”. – Ele disse o trecho da
música da Legião Urbana que se encontra no meu perfil do Facebook. – Agora entendi
o que quis dizer com isso.
-
Você me stalkeia? Isso é assustador, sabia?
-
Relaxa. Não te stalkeio. Como eu disse, Amanda me falou sobre você e ter visto
o seu perfil uma vez não faz de mim um stalker. Só gravei essa frase porque
achei uma forma interessante de alguém se descrever.
Sorrio para o rapaz.
-
Tome. – Entrego o meu celular para ele. – Se adicione como meu amigo. Tenho que
voltar para o trabalho em alguns minutos, mas podemos marcar de sair algum dia.
Ir ao Blues amanhã, por exemplo.
Não faria mal algum
ter alguém com quem sair, não é? Ainda mais agora que o Lucas estava vários
quilômetros longe daqui e eu me encontrava sozinho. Ele disse que temos muito
em comum, isso é interessante visto que o Lucas é o meu inverso. Aliás, sempre
conversamos sobre isso, fazemos um paralelo entre nós e o Jack e John em Lost –
homem de fé e homem de ciência, razão e emoção. Enquanto ele é o cara que está
sempre conversando e se conectando com pessoas, eu sou o lobo solitário.
-
Adicionei meu número na sua agenda também. – Ele me devolve o celular. – Você tem
carro?
-
Não. Por que?
-
Me mande a localização de onde estiver amanhã, posso passar para te buscar,
caso deseje, para que possamos ir ao Blues.
-
Tudo bem. – Tomei o meu último gole de chopp e me levantei. – Agora tenho que
ir. Te vejo amanhã.
-
Ok.
Ricardo se levantou para se
despedir de mim e me deu um abraço. Eu achei estranho. Geralmente eu não abraço
ou sou abraçado. Sinto minhas sobrancelhas franzirem, respiro, volto a minha
feição para o normal e, depois de alguns segundos, dou dois tapinhas nas suas
costas. Ele me solta e eu agradeço mentalmente por isso.
-
Desculpe. Costumo abraçar as pessoas em despedidas.
-
Perfeitamente normal, eu acho.
-
“Eu acho” – ele ri –. Dá para notar que você não tem muito jeito com pessoas.
-
Até mais, Ricardo.
-
Rick, por favor.
-
Até mais... Rick.
Saio
e ainda não acredito que as pessoas ainda chegam nas outras em pleno 2017.
Achava que as interações do tipo eram feitas apenas por aplicativos de
relacionamento. Tenho que admirar a coragem do Ricardo em chegar em mim sem ao
menos saber a minha orientação sexual. Embora Campo Grande seja uma cidade com
uma população LGBT gritante, ainda existem os preconceituosos e, até onde eu
saiba, eu poderia ser um.
Ele me parece um cara legal.
Fico
no caixa da papelaria da minha mãe quando não estou na faculdade. É uma forma
de conseguir um dinheiro e ainda poder estudar. Toda tarde é um entra e sai de
pessoas e o tédio tomando conta. Me olho no espelho que fica na frente do caixa
e tento ver se realmente sou bonito como o Ricardo disse. Branco, cabelo
relativamente curto, liso e preto, olhos castanhos, boca rosa, nariz fino,
olhar penetrante com círios que já me disseram parecer postiços. Talvez ele
tenha achado que eu sou gay por conta da sobrancelha feita pela minha mãe, não
sei. Sei que não sou feio, não me acho bonito, me acho “ok”. Ok deve ser bom
para o Ricardo.
Quinta-feira, 9 de fevereiro
de 2017, às 19h00
É
quinta. Saio da papelaria e vou para a minha casa junto da minha mãe. Chego,
tomo um banho e vou para o meu quarto assistir um episódio de Bates Motel. Uma
das minhas paixões é entender o ser humano, principalmente os problemáticos e
suas individualidades, e uma das melhores formas de estudo é assistindo séries
e filmes. Pego meu celular e procuro o contato do Ricardo, envio a minha
localização como prometido no Pátio Central.
“20h30 estou aí”, ele me envia. Tempo
o suficiente para terminar um episódio e me arrumar.
Me
arrumar é algo simples. Penteio o cabelo, coloco um jeans e uma camisa do Queen
e já estou pronto. Estou sentado na sala com a minha mãe, prestando atenção nos
barulhos oriundos do ambiente externo enquanto ela assiste Vikings na Netflix.
-
Onde você vai? – Ela me pergunta.
-
Ao Blues. – Respondo.
-
Com quem?
-
Um amigo.
-
Que amigo? Você tem algum outro amigo a não ser o Luquinhas? Sei que ele não
está na cidade, eu o sigo no Instagram. – Ela olha nos meus olhos enquanto faz
as perguntas como uma detetive. – Você está mentindo para mim?
-
Mãe, eu tenho 24 anos e pode parecer que não, mas eu tenho uma vida social
também e não conheço apenas o Lucas.
Ouço uma buzina. Timing perfeito.
-
Até mais.
-
Volta para a casa hoje? Pegou a sua carteira? Que horas você chega? Deixa o seu
celular ligado...
A deixo falando e saio de casa.
Avisto
um corolla preto estacionado e abro a porta. Ricardo está só. Veste uma camisa
social preta da Zara e um jean acinzentado. Ele sorri para mim e aperta a minha
mão no momento em que eu entro no carro.
-
Seu eu pudesse trazer alguém de volta a vida, eu traria o Freddie Mercuri. –
Ele diz por conta da minha camisa.
-
Eu traria a Janis Joplin. Cry, baby. –
Sorrio.
Ele ri e passa a dirigir.
-
Quem diria que você tem senso de humor.
-
Não entendi.
Ele liga o rádio e está tocando
Radiohead que provavelmente é a minha banda favorita.
-
Você me parece alguém de poucos risos, mais sério, que talvez nem saiba o que
humor significa. – Ele descreve o que esperava de mim. – Bom saber que eu estou
errado quanto a isso.
-
As pessoas costumam me ver assim. Sou apenas reservado.
-
E eu. Como me descreve?
Respiro fundo e olho para ele.
-
Espontâneo, direto, faz tudo o que pode para obter aquilo o que deseja, poucos
amigos, curioso, tem certeza de que é bonito e trabalha em cima disso e não é
tão feliz quanto aparenta.
Eu
poderia dizer mais. Poderia dizer sobre o costume de roer unhas, que veio da
faculdade direto para me buscar, que não sabe exatamente o que quer da vida, que
é católico e costumava fumar maconha dentro do carro, tudo isso apenas
analisando o que estava dentro do meu campo de visão, mas preferi não falar
demais.
-
Parabéns! Não esperava menos de um futuro psicólogo.
-
Você costuma ir ao Blues? – Pergunto após alguns minutos de silêncio no carro.
-
Às vezes.
-
Eu nunca te vi lá. – Digo. – Talvez não tivemos a sorte de ir nos mesmos dias.
-
Vemos o que queremos ver. Até antes de eu chegar na sua mesa, eu nada era na
sua mente senão um borrão. Eu já te vi lá.
Chegamos.
Dentro
do bar, compramos algumas cervejas e sentamos numa mesa. Bebíamos – mais eu do
que ele – enquanto conversávamos sobre várias coisas de nossas vidas. Ele,
diferente do que eu pensava, gostava de conversar sobre coisas interessantes e
não bobagens superficiais. Falamos sobre a economia, sobre a reforma da previdência
e trabalhista. Sua posição política era a mesma que a minha. Pergunto sobre a
Amanda e ele diz que estava em casa, que não quis sair hoje por conta do
estágio na manhã seguinte.
A banda que estava se
apresentando no palco começa a tocar Champagne
Supernova, música da Oasis, uma das minhas favoritas.
-
Essa música fazia o Lucas lembrar da Amanda. – Digo a ele.
-
É uma pena a forma como as coisas se deram entre eles. E de pensar que, de
certa forma, eu sou o culpado de tudo isso. – Ele toma um gole da Eisenbahn a
qual estava na mesa.
-
Você não tem nada a ver com isso, Rick. – O consolo. – Lucas, como eu disse
anteriormente, é uma pessoa impulsiva, que tira conclusões precipitadas e se
deixa levar facilmente pelos próprios sentimentos. Acredita que eu falei
brincando sobre viajar pelo mundo e no dia seguinte eu abro o Instagram e vejo
que o louco comprou uma passagem para o México?
-
Creio que se eu tivesse dinheiro o suficiente e estivesse com o coração
partido, eu faria o mesmo. Vim para Campo Grande por algo semelhante.
-
Amor só causa problemas.
-
Você já amou alguém? – Ele me pergunta.
-
Minha mãe.
-
Nem uma garota sequer? – Se vê surpreendido.
-
Nunca me vi atraído por garota ou garoto. Faço psicologia mais para me entender
do que para entender os outros, eu acho.
Ele ri. Não entendo. Talvez eu
seja engraçado até mesmo quando não é a minha intenção.
Ele pega o celular e dá dois
toques na tela de forma a ligar a mesma e então repete o passo para que ela
desligue.
-
São duas horas. Quer continuar aqui, ir para a sua casa ou fumar comigo?
-
Você bebeu duas cervejas e está pensando em fumar? Não é perigoso, Rick?
-
Não seria a primeira e não será a última vez, além de que eu tomei apenas duas
dessas. – ele balança a long neck vazia. – Talvez eu seja meio inconsequente.
Rio da forma como ele se
descreve.
-
Tudo bem por mim. Depois posso ir para casa. Às vezes fumo para dormir melhor.
Rick
estava se mostrando um cara bacana e engraçado. Lucas também é assim, mas ele
mais fala sobre problemas e isso acaba por me irritar um pouco. O tédio. Talvez
por convivermos a mais tempo e as coisas caírem na rotina. Fazia tempo que eu
não saia e conhecia alguém que me fazia rir tanto quanto o Rick estava me
fazendo rir naquela noite. Nos levantamos e saímos. De carro, fomos para uma
rua bloqueada na lateral do Parque das Nações Indígenas. Ele se inclina para o
meu lado, abre o porta-luvas e de dentro pega um beck já bolado.
-
O que costuma ouvir enquanto fuma? – Ele me pergunta.
-
Gorillaz, Pink Floyd, músicas que os emos ouviam em 2008, Adele... Depende.
-
Legal.
Ele coloca The Wall, o décimo primeiro álbum de estúdio do Pink Floyd laçado
em 1979. Coincidentemente é o meu álbum favorito da banda.
A gente fuma e
conversa. Olhamos para o céu, sempre costumo fazer isso, e então começo a
divagar sobre a vida não apenas na terra, mas fora dela. De como ao olhar para
as estrelas estamos olhando para o passado e na loucura que tudo isso é. Como
matéria inorgânica se transforma em vida? Eu tenho que relaxar. Paramos de
fumar para não ficarmos chapados ao ponto de não conseguir sair dali.
- Another Brick in the Wall. – Digo. – Já se sentiu assim?
- Quase
sempre. – Ele me responde.
Ele fecha os olhos e sorri
enquanto se acomoda no banco do carro.
-
Fazia tempo que eu não conhecia alguém tão legal quanto você, Luiz. – Ele diz
ainda de olhos fechados.
-
Posso dizer o mesmo, Rick. Pensei o mesmo enquanto estávamos vindo para cá.
-
Sabe, é uma pena você não ser gay. Você é o tipo de cara com o qual eu
namoraria.
Eu dou risada para disfarçar o
quão sem graça eu fiquei.
-
“Acho que não sei quem sou, só sei do que não gosto” – canto o trecho ao também
fechar os olhos por instantes.
Ficamos
por momentos apenas ouvindo a música tocar e então um pensamento passa a
dominar a minha mente. “Devo ou não devo?”. Sinto a vontade de fazer cafuné
naquele rapaz que está ao meu lado. “Devo ou não devo?”. Me sinto bem. Fumar me
deixa mais emocional. Abro os olhos. Vejo que ele ainda está com os olhos
fechados e com um sorriso no rosto. Ele deve estar feliz com esse momento. Faço
cafuné na sua cabeça e ele abre os olhos e passa a me encarar.
-
Não sei se eu... – começo a falar e sou surpreendido por um beijo.
Meu deus!
Ele se afasta.
-
Desculpa, Luiz. Achei que...
Eu me aproximo e o beijo. Isso é
bom. Esse momento é bom. Não sei se por conta da maconha ou do que está
acontecendo, mas eu, pela primeira vez nesse meu mundo em escala cinza, me
sinto feliz.
Próximo capítulo: Razões e emoções.
Nota do escritor
Lulu Santos já cantava "consideramos justa toda forma de amor". Unhappy Hour, como eu disse em Sobre a(s) história(s) e os personagens, é sobre "fatos de todas as pessoas que já se apaixonaram", independente da rotulação que a sociedade impõe - amor não tem rótulo, ele pode acontecer com qualquer indivíduo. Não irei focar apenas na Amanda e no Lucas, muito menos apenas no Luiz e no Ricardo. Este blog tem um propósito maior.
Com a Amanda e o Lucas, eu quis deixar uma mensagem de como é necessário ver os dois lados de uma história para se tomar decisões e julgar as pessoas. Muitos, ao lerem apenas o lado do Lucas, condenaram a garota e somente após verem o lado dela perceberam que nem tudo é o que parece ser. Lucas é exagerado e Amanda não tem certeza se está pronta para ter um relacionamento.
Unhappy Hour é como uma matriosca (aquela boneca russa): você vai ler uma história e após isso descobrirá que existem outras histórias dentro e é com essas histórias que eu falarei sobre os fatos das pessoas que já se apaixonaram. Futuramente assuntos como dependência amorosa, violência no relacionamento e outros aparecerão e serão tratados. Espero que gostem da abordagem.